30 de novembro de 2010

«Sou um homem livre e não estou refém de ninguém»

[publicado in Barlavento]

Manuel Alegre, candidato à Presidência da República, apoiado pelo Partido Socialista e pelo Bloco de Esquerda, diz que «se for à segunda volta, ganharei as eleições», garante usar a «bomba atómica» com a dissolução do Parlamento para evitar a destruição do Estado Social e acusa Cavaco Silva de ter criado a «ilusão que, por ser professor de Economia, ia resolver os problemas» do País «e não resolveu».

Em entrevista exclusiva ao «barlavento», para a qual interrompeu a sua refeição no jantar de apoiantes, em Tavira, Manuel Alegre, de 74 anos e natural de Águeda, após referir ter entrado na corrida para o Palácio de Belém «sem pedir nada a ninguém e sem negociar nada», lembra que, acima de tudo, é um escritor e poeta, mas não abandonará a política mesmo se perder as eleições.

Procurando tornear questões, aproveita, no entanto, para mandar recados a «todos os socialistas, bloquistas e outros» para que «acordem, mobilizem-se porque a vitória é possível». Mas é peremptório ao dizer que «não preciso de andar com dirigentes dos partidos políticos atrás».

Já o seu camarada do PS e primeiro-ministro José Sócrates estará ao seu lado na campanha «quando eu entender».

Pelo meio, pisca o olho ao Partido Comunista, ao enaltecer a capacidade de mobilização e mostrando-se expetante quanto a uma eventual desistência do seu candidato presidencial Francisco Lopes.



barlavento – Como lhe tem corrido esta campanha para as eleições da Presidência da República, marcadas para 23 de Janeiro de 2011?

Manuel Alegre – Esta campanha tem corrido como se está a ver hoje aqui (quinta-feira), em Tavira, num dia durante a semana em que se juntaram, num jantar, mais de quatrocentas pessoas.
No outro fim-de-semana, estive em Trás-os-Montes e passou-se a mesma coisa. Estive, inclusivamente, em Montalegre, numa noite de tempestade, num jantar com cerca de seiscentos participantes.
Tudo tem corrido muito bem, apesar de haver um esforço para silenciar ou para desvalorizar a campanha presidencial.
Compreendo que o candidato Cavaco Silva não esteja muito interessado em fazer campanha porque ele está na televisão todos os dias.

b- No contacto estabelecido com as pessoas, quais as preocupações que lhe têm sido manifestadas?

M.A. - As pessoas estão muito preocupadas com a crise, com as dificuldades da vida, com os cortes salariais e sociais que agora vêm aí, ou seja, com a austeridade.
Estão muito preocupadas com os filhos, com a juventude. E precisam de esperança, precisam de um sinal para ter confiança e uma perspetiva de futuro.

b- Queixou-se recentemente da falta de apoio no terreno por parte de dirigentes tanto do Partido Socialista, como do Bloco de Esquerda, nesta sua campanha…

M.A. (interrompendo) - Não, não, não!… Não é verdade. E o resultado, veja, é que este espaço está cheio. Como de resto tem estado cheio em todo o lado.
Tive quinhentas pessoas em Viseu e outras tantas em Coimbra. E dizem que na Madeira foi a maior receção que houve lá nos últimos anos. Nos Açores, foi a mesma coisa. Em todo o lado!
O que eu disse foi mal interpretado. O que eu disse perante quinhentas pessoas que estavam num jantar em Viseu foi que a vitória é possível.
E digo a todos os socialistas. bloquistas e outros, acordem, mobilizem-se, porque a vitória é possível. Mas foi no sentido de mobilizar e de chamar mais para a participação.

b- Como tem sentido o apoio do PS e do Bloco, que o apoiam nesta candidatura presidencial?

M.A. – Não há problema nenhum. Há uma excelente colaboração ao nível nacional e regional. Olhe, em Vila Real esteve o Francisco Assis [líder parlamentar do PS – n.d.r.], que fez um excelente discurso. Mas ao nível da comunicação social, se não estão dirigentes do partido, dizem que não estão.
Se estão, não falam sobre a sua presença. Note, porém, que eu sou um candidato suprapartidário, independente, que se candidatou sem pedir nada a ninguém. E sem negociar nada com ninguém.
Tenho o apoio do Partido Socialista, do Bloco de Esquerda, da Renovação Comunista, de movimentos cívicos e de muitos cidadãos independentes, mas, repito, eu sou um candidato suprapartidário. Não preciso de andar com os dirigentes dos partidos políticos atrás.
Tenho muito gosto que apareçam e na fase final da campanha com certeza que vão aparecer. Mas o candidato sou eu.

b- Espera contar com o secretário-geral do PS e Primeiro-Ministro José Sócrates, a seu lado?

M. A. - Sócrates está ao meu lado.

b- Mas no terreno, também o espera ver?

M.A. - Quando eu entender.

b- Tem sentido algum condicionamento na sua campanha pelo facto de o Bloco de Esquerda ter sido a primeira força política a apoiar a sua candidatura?

M.A. - Eu sempre fui e sou um homem livre e não estou refém de ninguém. Não negociei nada com ninguém.

b- Mas o desgaste do PS, próprio da governação em tempo de crise e com medidas de austeridade, e o facto de ser socialista podem ser fatores que acabem por condicionar a sua estratégia e eleição?

M.A. - Isso é uma coisa que as eleições vão dizer. Mas não condiciona. Tenho o meu próprio discurso e os eleitores decidirão.
Não vou negar que sou socialista, também já muitas vezes divergi do Partido Socialista, embora seja solidário com os seus valores e com o seu programa.
Mas o meu programa não é o do Partido Socialista. Nem o Presidente da República tem um programa ideológico.
O Presidente apresenta-se com um programa que é a Constituição da República.

b- Se for eleito Presidente da República, como pensa exercer o seu mandato?

M.A. – Vou ser um Presidente que vai cumprir a Constituição. E vou ser aquilo que deve ser um Presidente da República.
Ou seja, um Presidente de todos os portugueses, um Presidente moderador, um Presidente regulador, que salvaguarde os direitos, liberdades e garantias de todos os portugueses, mas também os direitos sociais que estão consagrados na Constituição da República.
E por isso, tenho dito, e lhe repito a si, que comigo na Presidência ninguém tocará no Serviço Nacional de Saúde, na escola pública, na Segurança Social pública, nos direitos laborais.

b- Mas o que fará em concreto para defender, por exemplo, o Serviço Nacional de Saúde?

M.A. – Isso está na Constituição. Qualquer iniciativa para tocar nesse direito, terá o meu veto. Utilizarei todos os direitos presidenciais para que não desvirtuem o Serviço Nacional de Saúde.
É claro que pode haver adaptações no sentido de garantir a sua sustentabilidade. Agora, pô-lo em causa, privatizar o Serviço Nacional de Saúde ou a escola pública, nem pensar nisso.

b- Que outras situações também não serão possíveis consigo?

M.A. - Comigo, não vai ser possível destruir o Estado Social, porque usarei os poderes presidenciais, que são bastantes, inclusivamente o da chamada «bomba atómica», que é a dissolução da Assembleia da República.

b- Não terá mesmo problema em dissolver a Assembleia da República?

M.A. - Não terei qualquer problema nisso. É um poder muito forte para um Presidente da República.

b- É o principal poder?

M.A. – Não. O principal poder do Presidente é o facto de ele ser o único órgão unipessoal diretamente eleito pelo povo, o que o confere a todos os seus atos uma dimensão muito especial e à sua palavra também. E ao seu silêncio também.
Mas sobretudo à sua palavra. Agora, é um poder discricionário do Presidente. Mas é preciso bom-senso. O Presidente só dissolve a Assembleia da República se, no seu entender, não houver outra solução.

b- Prometeu que iria cumprir apenas um mandato, o qual tem a duração de cinco anos. Qual é o motivo para isso, quando os Presidentes da República depois do primeiro, candidatam-se ao segundo mandato?

M.A. - É uma questão de opção. Disse que essa é a minha vontade. Mas nunca podemos afirmar em política coisas definitivas. Contudo, a minha vontade é só fazer um mandato.
Cinco anos é muito tempo. E também não tenho a obsessão de estar durante dez anos na Presidência da República. Acho que em cinco anos, neste momento de crise, se tiver força, saúde e o apoio dos portugueses, farei aquilo que é necessário.
E depois se verá. Mas a minha vontade é fazer um mandato.

b- Vai ser um Presidente mais interventivo do que tem sido Cavaco Silva?

M.A. – Ele é bastante interventivo, mas no sentido em que não o devia ser. Olhe, foi interventivo no Estatuto Político-Administrativo dos Açores, no conflito que então criou, bem como nessa história das escutas.
Isso coincidiu com uma campanha eleitoral em que havia um partido que falava de asfixia democrática e ele, ao vir com esse mistério não revelado das escutas, parecia que estava a dar razão a quem falava de asfixia democrática.

b- Como analisa o mandato do atual Presidente da República?

M.A. – Acho que ele se enganou na interpretação teórica da função presidencial, com a história da cooperação estratégica, que tem sido entendida como uma partilha das funções governativas. Um Presidente não governa.
Foi um fator de conflitualidade porque o Presidente da República não é um tutor do primeiro-ministro, nem é um super primeiro-ministro. Por outro lado, ele também criou a ilusão que, por ser professor de Economia, ia resolver os problemas. Não resolveu.
Estamos na crise em que estamos e não serviu de nada ter um Presidente da República que é professor de Economia. Precisamos é de um Presidente que tenha uma outra visão histórica, cultural e política do País.

b- Mesmo assim, qual é o aspeto positivo que realça em Cavaco Silva?

M.A. (após uma breve reflexão) - É um homem que procurou, dentro dos seus valores, dos seus critérios e das suas opções, servir o País. De acordo com os seus valores. E acho que é um homem sério.

b- E o que destaca nos outros candidatos?

M.A. - O PCP normalmente apresenta um candidato. Acho que isso tem um lado positivo, porque o PCP, melhor do que ninguém, sabe mobilizar o seu próprio eleitorado.
Portanto, isso é útil à esquerda e à mobilização. Depois, o PCP decidirá o que fazer, se vai ou não vai até ao fim.

b- As sondagens têm sido unânimes ao indicar que Cavaco Silva vai ganhar logo à primeira volta e com larga vantagem. Como encara essa situação? Já se sentiu desmotivado?

M.A. - Não. Ó meu caro amigo, na última vez em que concorri às eleições presidenciais não tinha o apoio de partido nenhum e o Cavaco Silva contava com 70 por cento das intenções de voto nas sondagens e eu cinco ou seis. E depois, ele ganhou à tangente, não é?...

b- Acredita numa segunda volta?

M.A. – Acredito que é difícil e acredito que é possível. Com o apoio dos cidadãos que já estiveram na minha primeira candidatura e com o apoio do Partido Socialista, do Bloco de Esquerda, da Renovação Comunista, de muitos cidadãos independentes, com gente de muitas áreas políticas, porque a eleição presidencial é muito transversal, penso que a segunda volta é um combate difícil e muito desigual, pois o atual Presidente está todos os dias na televisão, mas não impossível.
Mas já travei muitos combates desiguais. Da outra vez, também foi desigual e eu fiquei a menos de 30 mil votos da segunda volta.

b- Se não vencer as eleições presidenciais, o que vai fazer? Deixará a política?

M.A. – Não. Fiz política por força das circunstâncias históricas. Nasci sob a ditadura, sou de uma família com tradição democrática, participei na luta dos estudantes. Mas fundamentalmente sou um escritor e um poeta. E também sou um político.
Não digo, como diz Cavaco, que é um político muito profissional e que não é político. Candidata-se a cargos políticos contra a política escolhida. Mas eu acho que vou ganhar estas eleições.

b- Se for a uma segunda volta?

M.A. – Se for a uma segunda volta, ganharei as eleições.

b- A regionalização é há muito tempo uma das principais reivindicações no Algarve. Se for eleito Presidente da República, o que fará nesse sentido?

M.A. – Uma coisa que me ensinou a outra campanha e esta também é que o País não pode viver nem com tantas desigualdades sociais, nem com tantas assimetrias regionais.
E que a desertificação é um dos graves problemas do País. Portanto, hoje sou um partidário convicto da regionalização, que, aliás, é um imperativo constitucional.

b- O que vai ter que mudar na política em Portugal?

M.A. (após breve reflexão) – O que é preciso mudar na política portuguesa? Olhe, é a ética do serviço público. Há que fazer prevalecer o interesse público e o interesse geral, a ética republicana sobre interesses particulares, e garantir a independência do poder político em relação a outros poderes.

b- Há quem defenda a necessidade de haver menos deputados na Assembleia da República. Partilha dessa opinião?

M.A. – Bem… vamos lá ver, acho é que a Assembleia da República deve funcionar de outra maneira. Os deputados devem ser mais livres de votar de acordo com a sua consciência, como aliás sempre fiz.
Há matérias em que o deputado deve seguir a disciplina partidária, como a questão do Orçamento de Estado, o programa de Governo, moções de censura, moções de confiança.
Mas ao nível de outras matérias, os deputados devem agir livremente. Senão, não vale a pena haver tantos deputados na Assembleia da República. Basta haver um por partido, que contam na proporção dos votos recebidos.

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